Crônica: o dia que eu achei que estava milionária

dezembro 12, 2016 Helô Righetto 1 Comentários


Eu sei que é de certa forma redundante chamar esse post de crônica. Afinal esse é um blog pessoal, tudo que escrevo aqui é relacionado a minha vida. Mas eu sempre escrevo sobre o "agora", seja um livro lido, um show que eu fui ou algum trabalho que estou fazendo. Então, há alguns dias, durante uma corrida (minha cabeça vai muito longe durante as corridas, eu já cheguei a imaginar coisas que me deixaram com um nó na garganta de emoção, juro), eu lembrei dessa história, do dia que eu achei que tinha ficado milionária. É uma história que adoro contar, e adoro relembrar com o meu pai (segue lendo e você vai entender porque), então nada mais justo do que compartilhar aqui. Tenho tentado lembrar desses "causos" engraçados, e acho que é uma maneira de dar uma atualizada no blog de vez em quando. Então vamos a ele, o dia que achei que estava milionária. 

Em 2003 eu comecei a trabalhar em uma empresa no município de Diadema, em São Paulo, como desenhista projetista. Era uma fábrica de divisórias e móveis de escritório. Pela segunda vez na minha recente trajetória profissional eu estava empregada em Diadema, e pela segunda vez em uma fábrica. Só quem já trabalhou em fábrica sabe como esse é um ambiente peculiar. Conservador, machista, cheio das regras.

Por exemplo, às 9 da manhã, todo dia, uma sirene indicava a pausa do café. E até às 9:15 todo o pessoal - tanto quem trabalhava na fábrica em si como a turma do escritório - tomava seu café e comia um pão com manteiga gentilmente cedido pela empresa. Um por pessoa apenas. Se por acaso alguém faltasse aquele dia, o pão com manteiga poderia ser repassado. A sirene tocava novamente no começo e no fim do horário do almoço e também no fim do expediente.

Como vocês podem imaginar, quase não havia mulheres trabalhando nessa empresa. No escritório, acho que éramos em 4 ou 5. O lado bom é que o banheiro estava sempre vazio. O lado ruim é que um dia uma delas me perguntou "você está menstruada? Porque tem alguém jogando absorvente usado aberto no lixo."

A parte do escritório, onde eu trabalhava, tinha o típico layout de um escritório de fábrica. De um lado do corredor as salas dos chefes. Do outro lado, os departamentos. Eram três chefes: o Sr. Ogro, responsável pela fábrica; o Sr. Coxinha, responsável pelo financeiro, e o Sr. Riquinho, responsável pelo comercial.

Eu não gostava, mas também não odiava. Ficava mais na internet lendo blogs do que efetivamente no autocad fazendo desenhos de móveis de escritório. Meus colegas eram simpáticos, e poxa, tinha o pão com manteiga. Um desses colegas, que inclusive trabalhava na mesma sala que eu (era a sala dos orçamentos, e eu não sei porque diabos eu ficava lá, já que havia a sala dos desenhistas, logo ao lado), era viciado em duas coisas: doces e loteria.

Todo dia, depois de almoçar, ele caminhava até o centro comercial ali perto para refazer seu estoque de paçocas e afins, e também para jogar em alguma coisa. Se não tinha nada, ele comprava raspadinha. Volta e meia ele fazia um terno, ou uma quadra. Então, ninguém melhor do que ele pra organizar o bolão do escritório. Era a mega sena acumular, que a gente fazia bolão. Vocês sabem né? Não dá pra ficar fora de bolão da firma. O dia que você resolver não participar, é o dia que eles vão ganhar. Imagina eu, ter que aturar o Ogro, o Coxinha e o Riquinho ao ficarem sabendo que todo mundo havia se demitido porque ganharam a mega sena?

Eu ia até trabalhar animada no dia seguinte do sorteio. Chegava até mais cedo, pra saber se a gente tinha feito pelo menos a quina. Um dia, assim que eu cheguei, o administrador do bolão me falou: "Helô, você está sabendo que saiu pra um ganhador em Santa Catarina? Já falou com os seus pais?"

Meu coração parou um segundo. Sentei na minha mesa e liguei pro escritório do meu pai em Joinville (ele ainda não havia se aposentado). Quando pergunto por ele, a recepcionista me fala que ele não estava. Ligo em casa. Ninguém atende. Ligo no celular do meu pai (minha mãe não tinha celular nessa época), nada.

Então eu comecei a achar que estava milionária. Mas em vez de ficar feliz eu comecei a ficar com muita raiva. Como assim meu pai não tinha me avisado? Tinha feito eu acordar cedo e ir até Diadema trabalhar? Só podia ser brincadeira. Ele e minha mãe provavelmente estavam a caminho de São Paulo (de primeira classe, claro, ou em um jatinho particular) pra me dar a boa nova ao vivo. Onde será que a gente iria jantar aquela noite? O que eu ia falar pras amigas? Pega mal sumir?

Continuei insistindo no celular do meu pai. A essa altura eu já estava imaginando o que faria com a minha parte do prêmio. Tantos, tantos planos! Que maravilha ser milionária!

Finalmente, depois de tantas tentativas, meu pai atende o celular. Ele parou no acostamento da estrada, pois estava a caminho de Lages para visitar um cliente, e ficou preocupado com as minhas ligações, uma atrás da outra. Era por isso que ele não estava escritório (eu infelizmente não lembro porque minha mãe não estava em casa).

Meu pai chorava de rir. Não filha, não fomos nós. Não estamos milionários, mas essa história é boa.

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